Janeiro de 1933: Como e porquê Hitler tomou o poder

Há 90 anos atrás, a 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha, desbravando o caminho para a ditadura nazi. Neste texto, Ted Grant analisa e explica os acontecimentos que permitiram aos fascistas tomar o poder.

[Source]

A derrota da classe trabalhadora alemã, com a chegada ao poder por Hitler [a 30 de janeiro de 1933], fez retroceder por muitos anos o movimento internacional da classe trabalhadora. Ao investigar o cenário de fundo dos acontecimentos na Alemanha, podemos ver as forças de classe em ação, o papel da social-democracia alemã e dos estalinistas que conduziram à terrível derrota uma das mais poderosas e organizadas classes trabalhadoras no mundo.

Na esteira da Revolução Russa, a classe trabalhadora alemã derrubou o Kaiser e tentou o derrube revolucionário do capitalismo em 1918. Mas foram os social-democratas que chegaram ao poder, embora eles se tivessem oposto à insurreição e à revolução.

Eles não tinham qualquer intenção em consumar a revolução. O seu programa era baseado na “inevitabilidade do gradualismo”. Tendo-se erguido acima dos trabalhadores, tinha abandonado o programa Marxista, sobre o qual o seu partido tinha sido fundado décadas antes. Noske, Ebert, Scheidemann – os líderes da social-democracia – conspiraram com o Estado-maior alemão para destruir a revolução e restaurar a “lei e ordem”.

Nesta altura, os capitalistas foram compelidos a apoiar-se nos líderes sindicais e trabalhistas de modo a salvarem o seu sistema do colapso completo. Cerrando os dentes, eles foram forçados a conceder tremendas concessões à classe operária. Os trabalhadores ganharam a jornada das 8 horas, sindicatos reconhecidos, subsídio de desemprego, o direito a eleger comissões de trabalhadores e sufrágio universal tanto para homens como mulheres. Os operários agrícolas, vivendo em condições semifeudais no Lesta da Prússia, ganharam o direito de se organizarem e também conquistas similares às dos operários industriais.

Ofensiva capitalista

Recuperando do choque inicial, os grandes industriais e agrários começaram a preparar-se para a ofensiva contra a classe trabalhadora. A sua postura foi exemplificada por Krupp, o magnata do armamento, que arrogantemente informou os seus trabalhadores que “apenas queremos trabalhadores leais que se mostrem gratos do fundo do coração pelo pão que os deixamos ganhar”.

Já nesses primeiros anos, os capitalistas começaram a financiar ligas antitrabalhistas compostas por antigos oficiais do exército, criminosos, aventureiros e demais ralé. Os nazis eram, por esta altura, um pequeno grupo antioperário entre muitos outros. Eles começaram uma campanha de terror, que incluía a supressão de comícios operários e o assassínio de políticos de esquerda e até de democratas burgueses. O Estado agiu em cumplicidade e conluio com eles. Quando o chefe da polícia de Munique, Pohner, foi avisado da existência de “autênticas organizações de assassinato político”, ele respondeu: “sim, sim, mas são bem poucas!”

Mas neste estádio, estes grupos fascistas não tinham qualquer base. Eles eram uma força social insignificante, composto apenas pela escória da sociedade. A classe média olhava para as organizações operárias em busca duma saída. Os capitalistas usavam as organizações fascistas como tropa-de-choque antioperária e como reserva para o futuro.

Refletindo sobre o movimento nazi, Hitler admitiu: “Apenas uma coisa poderia ter quebrado o nosso movimento – se o adversário tivesse compreendido os seus princípios e se desde o primeiro dia tivesse esmagado, com a mais extrema brutalidade, o núcleo do nosso movimento.”

A Revolução descarrilada

Na crise revolucionária de 1923, provocada pela inflação e ocupação do Ruhr pela França, a classe média olhou em direção ao Partido Comunista que tinha ganho o apoio da maioria dos trabalhadores. Mas a situação revolucionária foi desperdiçada pelos então líderes do Partido Comunista Alemão, Brandler e Thalheimer, e pelo aconselhamento errado de Estaline à liderança do partido comunista.

Depois da possibilidade da tomada do poder ter sido perdida, a liderança da Internacional tentou colocar toda a responsabilidade nos ombros do partido alemão. Mas os líderes alemães tinham procurado aconselhamento à liderança da Internacional Comunista em Moscovo. O conselho de Estaline foi catastrófico. Ele escreveu a Zinoviev e Bukharin nessa altura:

“Deveriam os comunistas lutar pela tomada do poder sem os social-democratas; serão eles maduros o suficiente para isso? Essa, na minha opinião é a questão. Claro que os fascistas não estão a dormir, mas é do nosso interesse que eles ataquem primeiro: isso agregará toda a classe trabalhadora em redor dos Comunistas (a Alemanha não é a Bulgária). Para além disso, de acordo com todas as informações os fascistas são fracos na Alemanha. Na minha opinião os alemães devem ser refreados e não espicaçados” [citado em Trotsky , The Third International after Lenin, pag. 312]

Isto quando os comunistas alemães tinham a maioria dos trabalhadores com eles! Assim tragicamente a revolução alemã foi arruinada e foram lançadas as bases para subsequente progressão da influência fascista.

O grande Capital e os nazis

Assustados com a perspetiva do “bolchevismo” na Alemanha, os capitalistas americanos, britânicos e franceses despejaram empréstimos para alavancar o capitalismo alemão. Esses empréstimos resultaram num boom capitalista à escala mundial, que beneficiou particularmente a Alemanha. O boom na Alemanha durou de 1925 até 1929.

Os capitalistas alemães, arrecadando enormes lucros da racionalização da indústria alemã, não precisava dos fascistas, e o apoio aos nazis declinou. Eles receberam apenas o financiamento necessário para manter a sua existência como arma de reserva e precaver o seu total desaparecimento da cena política.

Veio então a grande depressão de 1929-33. O padrão de vida dos trabalhadores caiu. O desemprego disparou até os 7 milhões ou mais. A classe média arruinou-se com a crise económica, e os seus padrões de vida caíram ainda mais do que os dos trabalhadores. A classe operária tinha a proteção dos acordos coletivos de trabalho e subsídios de desemprego até certo ponto, e podia assim resistir às piores imposições das associações patronais e monopólios. Mas a classe média estava desamparada.

Os industrialistas ficaram alarmados com a perspetiva da revolução proletária. Eles começaram a despejar somas fabulosas nos cofres do partido nazi. Krupp, Thyssen, Kirdorff, Borsig, os chefes do carvão, aço, química e outros impérios industriais, forneceram generosamente a Hitler os meios para a sua propaganda.

A decisão final de entregar o poder a Hitler foi tomada na casa de Shroder, banqueiro de Colónia (o qual, de acordo com as leis raciais dos nazis era um judeu!). Enormes fundos, dum modo que nenhum outro partido político na Alemanha alguma vez recebera, foram dados aos nazis pelos capitalistas. Estes tinham decidido que chegara o tempo de destruir as organizações e os direitos da classe trabalhadora.

Trotsky e a Frente Única

Nas eleições de maio de 1924, os nazis receberam 1 920 000 votos com 32 deputados. Mas em dezembro desse ano, após o Plano Dawes ter restaurado alguma estabilidade à economia alemã, eles receberam 840 000 votos e o declínio dos nazis ainda mais se acentuou. Nas eleições de Maio de 1928, os nazis receberam apenas 720 000 votos.

Veio então a grande depressão e a pavorosa crise do capitalismo alemão. Em dois anos, nas eleições gerais de setembro de 1930, os nazis subiram até aos 6 milhões de votos. Os nazis tinham atraído ao seu movimento largas secções da classe média desesperada. O falhanço dos socialistas em 1918 e dos comunistas em 1923, tinham deslocado formidáveis proporções da classe média da neutralidade, ou até do apoio aos trabalhadores, para o lado da contrarrevolução, com a sua denúncia do “marxismo”, isto é, do socialismo.

Assim que os resultados eleitorais foram conhecidos, Trotsky e a Oposição de Esquerda – que se consideravam parte da Internacional Comunista, embora tivessem sido expulsos – lançaram um apelo ao Partido Comunista Alemão para imediatamente organizar uma Frente Única com os social-democratas para impedir a chegada ao poder de Hitler. Apenas assim poderiam esperar proteger os direitos da classe trabalhadora da ameaça nazi.

Os trotskistas avisaram das trágicas consequências que viriam com a chegada dos nazis ao poder, não apenas para os alemães, mas para o conjunto do movimento da classe operária internacional. Eles avisaram que os nazis fariam inevitavelmente a guerra à União Soviética.

Mas os estalinistas não deram atenção. A sua política na Alemanha era que o fascismo ou o “social-fascismo” já se encontrava no poder; que o maior perigo para a classe trabalhadora eram os social-democratas, que também eram fascistas – “social-fascistas”.

Sociais-fascistas

A origem desta política do PC Alemão – Estaline – deu a linha ao partido alemão:

“Estas duas organizações [social-democracia e nacional-socialismo] não são mutuamente exclusivas, mas pelo contrário são mutuamente complementares. Elas não são antípodas, mas gémeas. O Fascismo é o bloco disforme destas duas organizações. Sem este bloco a burguesia não poderia permanecer ao leme” (Communist International, nº6, 1925)

Os estalinistas chegaram ao extremo de incitar os trabalhadores comunistas a bater nos trabalhadores social-democratas, a dispersar as suas reuniões, etc. Thaelmann abertamente lançou o slogan: “Expulsar os social-fascistas dos seus empregos nas fábricas e dos sindicatos”. Seguindo a linha, o órgão dos Jovens Comunista, a Jovem Guarda, lançou o slogan: “Expulsar os sociais-fascistas das fábricas, dos centros de emprego, das escolas de aprendizes”.

Eles não ficaram por aqui. Os líderes da Internacional Comunista foram ao extremo de defender a aliança entre o PC Alemão e os fascistas contra os social-democratas. Os social-democratas estavam no governo da Prússia que constituía dois terços da Alemanha e era a sua mais importante região. Havia um tradicional ditado na Alemanha: “quem tiver a Prússia, tem o Reich”.

Os nazis organizaram um plebiscito em agosto de 1931, numa tentativa de expulsar os social-democratas do governo da Prússia. Tivessem eles sido bem-sucedidos, teriam chegado ao poder em 1931 ao invés de 1933. A liderança do PC Alemão decidiu opor-se ao referendo e apoiar os social-democratas. Mas os líderes do Comitern, sob influência de Estaline, exigiu que o PC Alemão participasse no referendo e o crismasse de “referendo vermelho”.

Foram loucuras deste calibre que desorientaram os trabalhadores e facilitaram o sucesso dos nazis. A recusa dos líderes das organizações de massas da classe trabalhadora em aplicarem uma política revolucionária contra os fascistas, redundou em que o poderoso movimento operário alemão, com 75 anos de tradição marxista, fosse esmagado e tornado impotente perante os bandidos nazis.

É importante levar em conta que os nazis conquistaram apenas uma pequena percentagem dos trabalhadores alemães; a esmagadora maioria opôs-se-lhes. Em 1931, os nazis apenas obtiveram 5% dos votos nas eleições para os comités de fábrica. Isto após uma terrível campanha para penetrar no seio da classe trabalhadora.

E em março de 1933, após a tomada do poder pelos fascistas, não obstante o terror já estar implantado, eles apenas conseguiram 3% dos votos nas eleições nos comités de fábrica! Apesar das falsas políticas das lideranças, que conduziram a uma certa desmoralização entre as fileiras dos trabalhadores e ajudaram às tentativas dos nazis para se infiltrarem na classe, a esmagadora maioria dos trabalhadores permaneceu fiel às ideias do socialismo e do comunismo.

Traição

Os trabalhadores estavam ansiosos e desejosos de lutar contra os nazis e impedi-los de tomar o poder. Milhões estavam armados e treinados nas organizações de defesa dos comunistas e dos social-democratas. Este era o legado da revolução alemã. A classe operária organizada constituía a mais poderosa força na Alemanha, tivesse ela apenas a necessária política para defender as suas organizações e passar à contraofensiva para tomar o poder! Mas os líderes traíram os trabalhadores na Alemanha tal como o fizeram na Itália.

À medida que o golpe de Hitler se aproximava, os desorientados dirigentes declararam que os nazis estavam em declínio. Os líderes social-democratas declararam, como se plagiassem os seus correligionários italianos: “coragem sob impopularidade”. Eles instaram a suportar os decretos-lei do governo Bruning e a apoiar Hindenburg contra o perigo de Hitler.

Eles zombaram da ideia dum país altamente civilizado como a Alemanha pudesse cair sob domínio da barbárie fascista. O fascismo poderia alcançar o poder num país atrasado como a Itália, mas não na Alemanha que era uma economia altamente industrializada!

De início, eles troçaram da boçalidade e loucura das ideias propostas pelos nazis. Eles estimularam os trabalhadores e rirem-se deles e a ignorar as suas provocações. Apenas lhes daria publicidade – diziam. “Não pode acontecer aqui”. Constantemente subestimaram o perigo dos fascistas e apealaram à proteção do mesmíssimo aparato estatal que estava protegendo e escudando os fascistas.

À medida que a ameaça fascista crescia, secções dos trabalhadores social-democratas e os sindicatos começaram a formar grupos de defesa nas fábricas e entre os desempregados. Mas a Confederação Alemã dos Sindicatos, recusou-se a apoiar isto: “a situação não [era] suficientemente grave que justificasse a preparação dos trabalhadores para luta pela defesa dos seus direitos”. Opôs-se à “centralização e generalização destas medidas”, sob pretexto que eram “supérfluas”.

Na véspera da ascensão dos nazis ao poder, Schiffrin, um dos líderes da social-democracia escreveu: “Nós não nos apercebemos de mais nada que não do odor dum corpo em decomposição. O fascismo está definitivamente morto: nunca se reerguerá outra vez”.

Rendição

A linha dos líderes do PC alemão, se possível, era ainda pior. Eles declararam que o fascismo já se encontrava no poder na Alemanha e que a chegada de Hitler não faria qualquer diferença.

Tão cedo como na primeira vitória do movimento de Hitler nas eleições de 14 de setembro de 1930, o órgão central do PC Alemão, o Rote Fahne declarou: “O 14 de setembro foi o ponto culminante do movimento nacional-socialista na Alemanha. Será seguido apenas pelo enfraquecimento e declínio.” Em três anos apenas, os nazis seriam bem-sucedidos na conquista do âmago da classe média ao obter mais de 13 milhões de votos [uma larga percentagem destes votos veio do campesinato, uma secção ainda muito significativa na sociedade desse tempo].

Mesmo na 25ª hora, os dirigentes social-democratas e estalinistas não deram nenhuma orientação de luta. A 7 de fevereiro de 1933, Kunstler, chefe da Federação de Berlim do Partido Social-Democrata, deu esta instrução aos trabalhadores: “Acima de tudo não se deixem provocar. A vida e a saúde dos trabalhadores de Berlim é demasiado preciosa para ser levianamente desperdiçada; devem ser preservadas para o dia da luta.”

Os dirigentes do Partido Comunista Alemão proclamaram: “Que os trabalhadores se acautelem de dar ao governo qualquer pretexto para novas medidas contra o Partido Comunista!” (Wilhelm Pieck, 25 de fevereiro de 1933)

Os líderes destes partidos não fizeram nada mesmo depois de Hitler ter tomado o poder. E os trabalhadores alemães queriam lutar.

A 5 de Março, na noite das eleições, a direção da Reichsbanner, a organização militar da social-democracia, pediu a sinalização para a insurreição. Eles receberam a resposta dos líderes do Partido Social-Democrata: “Permaneçam calmos! Acima de tudo nenhum derramamento de sangue.” O poderoso movimento operário alemão foi rendido a Hitler sem que um só tiro fosse disparado.

A luta por uma Frente Única pelo Partido Comunista; a formação de tal unificada frente de luta em 1930, teria transformado todo o futuro curso de acontecimentos. A classe média teria seguido a liderança das organizações operárias.

Tivessem os fascistas sido confrontados co a força organizada dos trabalhadores, teriam eles sido esmagados. Cobardemente capitulando perante as “autoridades”, a liderança da classe permitiu a Hitler obter uma muito fácil vitória.

Reino de Terror

Na purga de 30 de Jungo de 1934 [a “noite das facas longas”] Hitler atacou contra aqueles elementos no seio dos fascistas que demagogicamente manipulavam as aspirações da arruinada classe média, bem como contra aqueles que genuinamente tinham sido iludidos pelas mentiras da propaganda nazi [i.e.: as ilusões que os nazis atacariam os grandes capitalistas]. Tendo conseguido isso, Hitler transformou a sua ditadura num Estado milita-policial, representando os interesses dos industrialistas e grandes agrários.

A classe média foi espoliada, as organizações operárias esmagadas, e apenas os altos dignatários nazis e os grandes negócio beneficiaram do domínio de Hitler. Todos os piores excessos do capitalismo expressaram-se porque nenhuma oposição, nenhum controlo da opinião pública, eram permitidas.

Uma vez no poder, os nazis foram aceleradamente em frente, conseguindo em poucos meses o que os fascistas italianos tinham levado anos a obter. Os partidos políticos foram ilegalizados, os sindicatos destruídos, os fundos das organizações operárias foram confiscados para benefício dos nazis. Os campos de concentração foram criados, e um reino de terror foi inaugurado contra sociais-democratas, comunistas e judeus, tal como nunca tinha sucedido na história moderna.

Join us

If you want more information about joining the IMT, fill in this form. We will get back to you as soon as possible.